
Quando, em junho de 2017, Sérgio Conceição foi apresentado como treinador do FC Porto, o futebol português era um lugar diferente. O clube liderado por Pinto da Costa não ganhava nada desde agosto de 2013, aquando da conquista da Supertaça. As últimas quatro épocas tinham sido coleções de desilusões e de mudanças de treinador, saltando de Paulo Fonseca para Luís Castro, de Julen Lopetegui para José Peseiro e Nuno Espírito Santo. A sul, o Benfica dominava, tendo acabado de selar um inédito tetracampeonato para o emblema de Lisboa.
No discurso de apresentação como novo técnico do FC Porto, Sérgio Conceição falou do “concretizar de um sonho” e fez uma promessa: “Trabalhar ao mais alto nível é conquistar títulos”.
Quase cinco anos depois da chegada do antigo internacional português ao banco do Dragão, a correlação de poder no universo da bola lusitana alterou-se por completo. O FC Porto acaba de vencer o terceiro campeonato nas últimas cinco épocas, aos quais se juntam uma Taça de Portugal (e a hipótese de ganhar outra na final de 22 de maio contra o Tondela) e duas Supertaças (e a possibilidade de vencer mais uma no começo da próxima temporada).
Conceição beija a medalha de campeão da I Liga 2017/18
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De 2017 para 2022, alguns protagonistas do FC Porto mudaram, alterando-se a grandeza de Casillas pela promessa de Diogo Costa, o vigor de Herrera pelo critério de Vitinha, a magia de Brahimi pela versatilidade de Taremi, a potência de Marega pelos golos de Evanilson. Também os rivais se foram modificando, com Jorge Jesus a ter estado em ambos os lados da segunda circular, Bruno Lage ou Rúben Amorim a afirmar-se como grande opositor dos últimos dois anos e meio.
O que se manteve imutável foi Sérgio Conceição, o homem que continua “exigente, rigoroso, disciplinado”, tal como se definiu no discurso de apresentação de há cinco anos.
O caminho dos recordes
O treinador do FC Porto insiste que, no clube, “festejam-se títulos, não recordes”. Depois do triunfo, por 1-0, em Guimarães — o qual estabeleceu novo registo histórico de invencibilidade na I Liga—, Conceição sublinhou que a proeza “só tem significado” em caso de vitória no campeonato.
A equipa orientada pelo antigo extremo pode não ir aos Aliados comemorar registos históricos, mas essas marcas não só aproximam o FC Porto dos títulos como, também, ajudam a cimentar o estatuto de Sérgio Conceição. Um dos exemplos mais claros é o já mencionado recorde de jornadas sem perder.
O FC Porto esteve 58 rondas da I Liga sem conhecer o sabor da derrota, série terminada com a derrota, por 1-0, contra o Sporting de Braga. Antes desse encontro, a última vez que o FC Porto perdera para o campeonato havia sido em Paços de Ferreira, a 30 de outubro de 2020, num 3-2 em que dois dos golos dos locais foram marcados por Bruno Costa e Stephen Eustáquio, que atualmente fazem parte do plantel dos azuis e brancos. Nestes 58 encontros, a equipa de Sérgio Conceição venceu 47 vezes e só empatou em 11 ocasiões. O anterior máximo, de 56 rondas invencível obtido pelo Benfica de John Mortimore entre 1976 e 1978, ficou para trás.
Ainda assim, ao perder na 31.ª ronda, o FC Porto não se conseguiu tornar no quarto campeão sem derrotas da história do nosso futebol. O Benfica de 1972/73 e o FC Porto de 2010/11 e 2012/13 continuarão a ser as únicas equipas a conseguirem tal feito.

Com o título da I Liga 2019/20
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Também ao nível dos pontos somados o FC Porto 2021/22 pode fazer história. Os 88 pontos que os homens de Conceição somam permitem almejar superar as épocas com mais pontos conquistados desde que, em 1995/96, a vitória passou a ter o valor atual. Em 2015/16 o Benfica de Rui Vitória fez 88 pontos, valor igualado pelo FC Porto de Conceição em 2017/18 e é esse recorde que os dragões podem, também, superar. Basta um empate na última jornada do campeonato.
Fazendo a vontade ao treinador portista e traduzindo todos estes recordes em títulos, Sérgio Conceição tem, agora, três títulos de campeão nacional como dono do banco do Dragão. O ex-internacional iguala, assim, Artur Jorge, Jesualdo Ferreira e Jorge Jesus como os técnicos portugueses que mais vezes ganharam a I Liga na história da prova. O recorde absoluto pertence ao brasileiro Otto Glória, que foi cinco vezes campeão nacional.
A concluir a sua quinta temporada no comando do FC Porto, Sérgio Conceição vai, também, cimentando o seu espaço no quadro de honra do clube onde também se destacou como jogador. Conceição leva 267 encontros e 193 vitórias no comando dos dragões, parecendo estar ao seu alcance os máximos de partidas e triunfos obtidos por um técnico no FC Porto: José Maria Pedroto orientou 322 desafios e ganhou 215 vezes.
O golo de Herrera, o “lugar à disposição em Braga” e as “focas do circo”
Em 2017/18, a primeira campanha do técnico no banco azul e branco estava a chegar ao fim e havia o risco real de, uma vez mais, os dragões alargarem a seca de títulos. Na jornada 30 da I Liga, o FC Porto entrou na Luz em segundo lugar, a um ponto do Benfica de Rui Vitória. Tanto na Taça de Portugal como na Taça da Liga, o Sporting de Jorge Jesus eliminou os portistas nos penáltis.
No clássico, o 0-0 que se registava aos 90′ permitia ao Benfica ir para as últimas quatro jornadas em primeiro, aproximando-se do pentacampeonato. Mas aí apareceu Hector Herrera, com um grande remate de fora da área, a dar a vitória e a liderança do campeonato aos visitantes. O FC Porto não mais saiu do primeiro lugar, conseguindo quebrar um jejum de quase cinco anos sem títulos e vencendo Conceição o seu primeiro campeonato.

Com Otávio, Uribe e Pepe, três dos seus indiscutíveis
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Sempre inconformado e enérgico na linha lateral, o treinador não esconde viver “numa insatisfação contínua”, como confessou numa entrevista à UEFA em outubro de 2020. Meses antes, essa inquietação interior que o parece alimentar levou-o a proferir uma das mais bombásticas declarações destas cinco temporadas.
A 25 de janeiro, o FC Porto perdeu na final da Taça da Liga contra o Sporting de Braga, na segunda derrota em dois embates contra um novo rival: Rúben Amorim. No final da partida, Sérgio Conceição lançou uma bomba: “É difícil trabalhar em determinadas condições. No primeiro ano sem reforços e sem dinheiro. No segundo, falta de verdade desportiva. E neste ano sem união dentro do clube. Fica difícil… Neste momento o meu lugar está à disposição do presidente”.
A força das palavras fazia jus a uma temporada que, até ali, estava a ser muito difícil para o clube. Na I Liga, o Benfica de Bruno Lage era líder com sete pontos de vantagem; a final da Taça da Liga acabara de ser perdida; o acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões foi, pela única vez na era Conceição, falhado, devido à derrota frente ao Krasnodar.
Pinto da Costa não deixou cair o treinador e, meses depois, a reviravolta desportiva foi completa. O desporto — e a vida — estiveram parados vários meses devido à pandemia da covid-19, mas o FC Porto conseguiu dar a volta à desvantagem que tinha no campeonato, vencendo o título e juntando-lhe a Taça de Portugal (e a Supertaça, em dezembro).
Fazer de derrotas ou de momentos duros pontos de viragem tornou-se, aliás, em algo recorrente na equipa de Sérgio Conceição. Depois da já referida derrota a 30 de outubro em Paços de Ferreira, a penúltima sofrida no campeonato, o FC Porto venceu o Marselha para a Liga dos Campeões e o técnico lançou uma frase que apelava ao espírito que queria ver recuperado pela sua equipa. “Não quero focas de circo, nem malabaristas, Quero jogadores de futebol”.
Para o ex-internacional, a “atitude competitiva é inegociável”, como referiu em setembro de 2021, antes de receber o Moreirense. Talvez seja por isso que, quando questionado pelo requinte técnico que Vitinha ou Fábio Vieira trouxeram ao FC Porto 2021/22, Conceição destaque que o primeiro “é dos jogadores que mais bolas recupera” e “está preparado física e psicologicamente para fazer outras coisas” (como sublinhou em março, depois de ganhar em Paços) e o segundo ganhou “atitude, comportamento” e “trabalho invisível” (como disse em setembro, na antevisão à deslocação a Barcelos).
Mostrando-se capaz de reagir às saídas de jogadores fundamentais no plantel, com a transferência de Luis Díaz em janeiro como exemplo mais próximo, mas lembrando também Herrera, Brahimi ou Corona, Sérgio Conceição vai renovando a equipa sem perder a competitividade de que não abdica e que é personificada por Pepe ou Otávio, dois dos (poucos) homens com o verdadeiro rótulo de insubstituíveis. De recorde em recorde rumo aos títulos, o treinador vai mostrando que está “aqui para ganhar”, porque isto “não é a ópera”.