
Será possível morrer de coração partido?
Este síndrome pode ser desencadeado por notícias que causem stress físico ou psicológico. O cardiologista explica.
Doença é recente, mas real.
William Shakespeare podia, ou não, saber da existência do síndrome do coração partido quando escreveu a tragédia “Romeu e Julieta”, em 1597, mas os registos médicos só surgiram centenas de anos mais tarde. Um coração partido pode conjurar histórias e canções de amor, mas experienciar um evento traumático pode mesmo causar dores cardíacas — e até a morte.
Um desgosto amoroso pode provocar dor física e, por essa razão, começou a ser apelidada de síndrome do coração partido. O verdadeiro nome foi-lhe dado nos anos 90 — Síndrome Takotsubo — em alusão aos potes japoneses de cerâmica que se usam para apanhar polvos no mar. Isto acontece quando o ventrículo esquerdo do coração — a principal câmara que bombeia o sangue — incha e adquire uma forma estranha que faz lembrar um takotsubo (o tal pote).
“O síndrome do coração partido é, habitualmente, desencadeado por um evento ou notícia indutora de stress físico ou psicológico, como um acidente, uma discussão matrimonial, ansiedade extrema, luto ou morte”, explica à NiT Luís Almeida Morais, cardiologista no Hospital CUF Tejo. Menos frequentemente, também pode ser desencadeado por um acontecimento extremamente feliz ou ainda em situação de doença aguda, internamento hospitalar ou cirurgia urgente.
É raro, mas por vezes os desgostos ou estados de tristeza profunda podem levar ao mau funcionamento do coração. O cardiologista refere que nos últimos anos se tem verificado um aumento do número de casos de síndrome de coração partido reportados e a prevalência estimada é de 1 em cada 36 mil doentes. Isto poderá acontecer devido ao aumento de stress e ansiedade diária associada às profissões e a atividades do quotidiano.
Até mesmo a pandemia parece ter tido um efeito negativo. Um estudo publicado em 2020 pela JAMA concluiu que os casos de síndrome do coração partido aumentaram 7,8 por cento desde o início da Covid-19.
Não se conhecem todos os mecanismos que desencadeiam este síndrome mas, segundo o médico, 80 por cento dos casos afeta mulheres após a menopausa, provavelmente pela diminuição dos níveis de estrogénio. “Esta doença surge muito frequentemente de forma inesperada”, refere Luís Almeida Morais. Manter um estilo de vida saudável e o acompanhamento médico são aconselhados nestes casos. Mais importante, um seguimento em consulta de Cardiologia é muito importante após um destes eventos.
Normalmente os pacientes queixam-se de “dores intensas no peito, tipo pressão e falta de ar. Podem ser acompanhadas de suores frios, náusea, vómitos, palpitações e desmaios. Pode mimetizar os sintomas de um enfarte agudo do miocárdio”, afirma Luís Almeida Morais. Pode parecer semelhante ao que se esperaria que acontecesse com um ataque cardíaco, mas as duas condições são distintas. Ao contrário dos ataques cardíacos, o síndrome do coração partido não danifica permanentemente o músculo cardíaco. As pessoas tendem a recuperar totalmente no prazo de um mês e, normalmente, não volta a acontecer.
O diagnóstico acontece com frequência já nas urgências, depois do paciente sentir dor torácica. Segundo o médico, nestes casos faz-se um electrocardiograma, ecocardiograma e muito frequentemente um cateterismo cardíaco para despistar possíveis doenças cardíacas. No entanto, “apesar dos raros casos que levam à morte, a maioria recupera espontaneamente”, acrescenta o médico. Os cuidados imediatos dependem da gravidade da doença e incluem monitorização apertada, medicação para alívio de sintomas e exclusão de outras patologias associadas por médicos especializados.