
“O Violino do Meu Pai” é a versão turca do melodrama que já nos cansámos de ver
O novo filme chegou da Turquia à Netflix com uma fórmula gasta, mas suficiente para conquistar lugares no top dos mais vistos.
“Toda a gente tem uma melodia. Só tens que saber ouvi-la”, explica calmamente à filha de oito anos o remediado músico de rua, Ali Riza, mestre do violino. Poucos segundos depois, um ataque de tosse lança a primeira pista da tragédia que está prestes a acontecer.
Riza é pai de Özlem, cuja mãe morreu no parto. Rapidamente descobre que não só tem um cancro, como lhe restam poucas semanas de vida. Perante o cenário da filha se tornar orfã, decide pedir ajuda ao irmão com quem está de relações cortadas há mais de 30 anos.
O passado de ambos esconde uma história trágica. Mehmet acusa o irmão de o ter abandonado quando o colocou num barco rumo a Itália, onde cresceu sozinho e se tornou num músico famoso. E, claro, rejeita o pedido de que seja ele a acolher Özlem depois da sua morte certa.
É nesta encruzilhada de clichés que encalha a mais recente produção turca a chegar à Netflix. “O Violino do Meu Pai” rapidamente subiu ao top dos mais vistos, à semelhança de outro êxito turco que, em 2021, se tornou num fenómeno, muito graças à mesma fórmula, “Milagre na Cela 7”.
O contexto é diferente, mas o objetivo é o mesmo: tocar nos pontos sensíveis dos espectadores para que, entre lágrimas e sorrisos fáceis, a maioria se esqueça de que já viu a mesma história repetida à exaustão em centenas de outros filmes. Neste caso, o melodrama barato tem lugar numa invulgar Istambul e rodeia-se de uma banda sonora com os hits de música clássica que já conhecemos de cor. Dane-se a originalidade.
Tal como “Milagre na Cela 7”, “O Violino do Meu Pai” puxa da cartada da chantagem emocional — e, julgando pela forma como vai escalando o top, parece estar a funcionar.
No centro deste estratagema está Özlem, a criança bem-disposta mas de feitio complicado e que serve de chave para todas as personagens. É através dela que simpatizamos com o pai, com os músicos que o acompanhavam e a protegem; é também através dela que assistimos à redenção de Mehmet, caracterizado como um arrogante e insuportável músico, antes de, num golpe de magia, se transformar numa personagem querida.
Tudo acontece em esforço, tudo é irritantemente previsível — até o grande mistério por detrás da zanga de irmãos, desvendado sem grande apoteose, é escancarado ainda antes da primeira meia-hora do filme. E tudo é aborrecidamente expectável porque já vimos esta história repetida até à náusea.
Muitos outros atores já recriaram o papel de criança orfã que esconde a vulnerabilidade por detrás de uma aparente força e resiliência; também já conhecemos dezenas de Mehmets, de fachada dura que rapidamente é desmontada pela inocência das crianças.
“O Violino do Meu Pai” é, no fundo, um remake de centenas de filmes familiares e bem-dispostos da Disney. Trocam-se os cenários, os atores, a língua, mas nada escapa ao temível monstro da globalização. Honrosa exceção feita aos maravilhosos pequenos-almoços preparados por Özlem, a fazer justiça à culinária turca.
Entre personagens criadas em modo copy paste que redundam em caricaturas ridículas, movidas ao som de música clássica usada para dar emoção a cenas vazias, há pouco de bom que se possa dizer sobre “O Violino do Meu Pai”.