
Tudo começou depois de mais uma ideia bizarra para criar um vídeo no YouTube. Tiago Paiva fez um molde de gesso do ânus e ofereceu-o como porta-chaves aos seus amigos. O vídeo foi publicado, visto, revisto e esquecido. Mas um ano depois, a ideia voltou à cabeça do youtuber e ator de 32 anos, desta vez com um objetivo mais ambicioso.
“Tinha começado a perceber como funcionavam os NFT (…) e estava a pensar em algo que pudesse dar uma coleção. Foi quando olhei para o molde de gesso do meu ânus, que estava no meu quarto, e pensei que era isso”, conta à NiT o criador do projeto Le Bel Anus, francês para O Belo Ânus, a primeira coleção de NFT da La Galerie des NFT, um projeto nacional que tem feito sucesso internacional.
A proposta é simples: serão criados e vendidos dois mil NFT únicos, que contêm retratos digitais dos ânus de duas mil estrelas pornográficas. Depois de vendidos, será criada uma obra especial, A Fusão dos Ânus, cujo formato e valor só será revelado depois de vendida toda a coleção.
O mundo das artes transformadas em NFT tornou-se numa tendência mundial, sobretudo desde que em março de 2021, um ficheiro de imagem comum foi vendido por 58 milhões de euros num leilão. E o que são NFT? NFT significa non-fungible token, neste caso um bem que não é fungível, ou seja, que não pode ser trocado por algo de igual valor. Não é algo tangível, palpável.
Além dessa característica, assentam também na blockchain, o que garante que cada peça ou obra é única e não pode ser replicada. Tem outras vantagens: a propriedade fica selada nesta cadeia digital que não pode ser modificada, importante na distribuição de lucros, que é um dos objetivos de Tiago Paiva.
As estrelas pornográficas que “emprestam” o seu ânus a cada uma das obras terão direito a 40 por cento dos lucros de venda, mais um por cento de cada venda subsequente. Esta espécie de contrato gravado na blockchain garante que estes valores são diretamente transferidos para as carteiras de criptomoedas, de forma automática, sem chatices.
“Isto vai ser o futuro dos contratos. As nossas casas e carros vão ser muito em breves comprados através da blockchain”, explica sobre a tecnologia em que assenta o projeto onde encontrou uma “oportunidade de negócio incrível”. Sobretudo porque “a arte está com um hype incrível.”
No mundos dos NFT, as peças mais encontradas e vendidas são avatares de animais, todos eles únicos, uns mais raros e valiosos do que outros. “Estava um pouco cansado disso e quis fazer algo diferente”, conta. Esqueceu os animais e virou-se para as estrelas pornográficas.
“Os ânus, para mim, são como uma impressão digital. Todos temos um ânus diferente e a ideia aqui era fazer um projeto que pudesse ser viral por causa do conceito”, nota. E a arte? “Isto para mim é arte. É arte digital inspirada no ânus, não é um ânus literal.”
Apesar de ter um orçamento de marketing bastante inferior ao que é usado para promover outras coleções, Tiago Paiva orçamentou mais de cem mil euros para conseguir espalhar a mensagem. E ela chegou ao outro lado do mundo, onde a gestora de redes sociais do maior site pornográfico do mundo, o PornHub, decidiu juntar-se como embaixadora.
Ariel Nathaniel é então uma das caras conhecidas a dar credibilidade ao projeto, a par do rapper The Game, que também começou a publicitar a coleção de NFT. Mas há outra faceta pouco visível desta verdadeira comunidade. No Discord, Paiva conseguiu juntar “mais de 30 mil pessoas” de vários países do mundo, onde interagem com as porn stars que regularmente entram na sala para conversar e partilhar fotografias.
“A comunidade é super importante, porque nada aconteceria sem eles. São o mais importante, porque são as pessoas que fazem parte dela que valorizam as obras”, explica. “Se ninguém conhecer ou tiver interesse, não têm valor. É a comunidade que lhes dá valor.”
A ideia é que a Le Bel Anus seja apenas “a primeira de muitas coleções” da La Galerie des NFT. E é garantido que quem comprar os primeiros NFT da coleção de estreia, terá direito a um por cento das revendas desta e de outras coleções. Para sempre. Uma transferência garantida pelos direitos fixados na blockchain.
Outra faceta original deste projeto nacional é a forma como a raridade é atribuída a cada um dos NFT. Se no caso dos avatares, ela é conferida através das características — por exemplo, se o avatar criado aleatoriamente tiver um chapéu raro, o NFT será mais valioso —, mas no caso da Le Bel Anus, serão os membros da comunidade que escolherão os mais e menos valiosos.
“De uma lista das duas mil estrelas, vão poder votar nas dez preferidas. As que receberem mais votos, serão as mais raras e mais valiosas”, explica. Cada NFT será colocado à venda a 12 de março por um valor base de cerca de 700 euros, uma conversão de 6,9 Solanas, a criptomoeda escolhida para estas transações. “O valor é variável, porque o mercado das criptomoedas varia. Poderá estar mais barato ou mais caro, consoante a variação do mercado.”
Por enquanto, Tiago Paiva está ainda a tentar preencher as cerca de 500 vagas na galeria de ânus, mas garante que terá todas as estrelas pornográficas necessárias antes da data de venda. Mais atarefados estão os membros da comunidade, que tentam no Discord conquistar pontos que lhes permitam garantir que, chegado o dia, conseguirão agarrar um dos tão desejados ânus.
“Quanto mais ativos forem, mais pontos ganham. E quem tiver mais pontos pode ficar na white list. Como só há dois mil NFT, nem toda a gente pode conseguir comprar um. Se estiver na white list, há garantia de que consegue comprar”, afirma.
Como em todas as novas tecnologias, existe ainda muito desconhecimento sobre como tudo funciona — a oportunidade para os mais experientes explorarem ângulos mortos e conseguirem ludibriar os mais inexperientes. O mercado dos NFT envolve muitos milhões e é terreno apetecível para burlas.
“Já temos pessoas a fazerem Instagrams iguais aos nossos, a dizer que oferecem um NFT. Depois conectam-se às carteiras e roubam o dinheiro”, diz. “Há quem já tenha feito uma página com as nossas imagens no mercado digital e houve quem comprasse NFT falsos. Quando um projeto tem sucesso, isso acontece sempre.”
Também por isso Tiago Paiva decidiu dar sempre a cara em todos os momentos. “O maior sinal de perigo é os projetos serem anónimos, não haver ninguém que dê a cara por ele”, conta. “Por isso quis mostrar-me. As pessoas conhecem-me e sentem-se mais seguras.” Resta saber agora por quantos euros — ou criptomoedas — serão arrebatados os tão cobiçados ânus das estrelas da indústria.