
Logo após o fim do tempo regulamentar no Sánchez Pizjuán, a estereofonia do estádio do Sevilha, esse clube que é ‘A’ Liga Europa, lançou em altos berros o “Harder, better, faster, stronger” dos Daft Punk. Mas dificilmente estes seriam adjetivos adequados ao que se viu no Eintracht Frankfurt – Rangers.
A final da Liga Europa, a jogar-se na sua casa espiritual, não foi um extraordinário jogo, mas às tantas as histórias do futebol também se fazem de outras coisas menos contáveis que uma tática, uma estratégia, um craque ou um sistema. E talvez esta final fique nessa história mais pelo que se viu fora de campo, duas bancadas cheias de adeptos de clubes que contrariam o futebol moderno das Superligas e das Ligas dos Campeões super-aditivadas. O Eintracht é um clube de adeptos fiéis, de futebol positivo, de boas descobertas, vindo de uma cidade mais conhecida pelas finanças do que pelo futebol, que há 42 anos não chegava (e ganhava) a uma final europeia. E o Rangers é um dos pólos do futebol escocês, dividido em Glasgow por dois estádios e duas religiões, tanta coisa para lá do jogo. Um clube que chegou à final da Taça UEFA em 2008, que teve de ser refundado em 2012 devido a problemas financeiros e que dez anos depois voltou à glória europeia, mesmo com um plantel modesto. Voaram milhares e milhares para Sevilha, muitos mais do que os 43 mil que leva o Sánchez Pizjuán.
E por isso, mesmo sem jogadas de encher o olho, sem futebol reluzente, esta seria sempre uma final de emoções. Com o coração a bater harder, better, faster, stronger, porque estava aqui a oportunidade de um troféu europeu para duas equipas que talvez não o tivessem como objetivo, mas sim como um sonho.
A decisão por grandes penalidades, não sendo a lotaria que se apregoa, traz um elemento de imprevisibilidade, mas aqui trouxe justiça: os alemães venceram depois de terem sido mais equipa ao longo dos 120 minutos, porque têm mais talento disponível, mais pézinhos, embora lhes tenha faltado competência. Na 1.ª parte, Knauff e Kostic foram os mais furiosos, com algumas iniciativas individuais de franzir o olho. Do lado dos escoceses, o perigo vinha das associações entre Wright e Joe Aribo e John Lundstram de cabeça começou por testar a atenção de Kevin Trapp, que seria absolutamente decisivo quando a noite se começou a aproximar da madrugada em Sevilha.
james williamson – ama/getty
Os golos apareceram na 2.ª parte: aos 57’, Sow cortou para trás uma bola no meio-campo, deixando Joe Aribo com relva e espaço para progredir para a baliza. Quando o central Tuta escorregou, já não havia ninguém para travar o nigeriano, que isolado frente a Trapp meteu a bola rasteira, difícil para o gigante guarda-redes alemão. Ao golo escocês respondeu o Eintracht quase de seguida. Lindstrom e Kamada estiveram perto e foi num dos poucos bons desenhos ofensivos do jogo que apareceu o empate. Aos 69’, Kostic deu à bola o seu pé esquerdo prodigioso, colocou-a tensa na área e o colombiano Rafael Santos Borré, sorrateiro e com o olfato dos atacantes, antecipou-se a um distraído Bassey para fazer o golo.
O empate era justo, porque o Eintracht mostrou sempre um pouquinho mais. Daí até final, jogou-se no calculismo: ninguém queria perder. O prolongamento era uma inevitabilidade.
E aí foi a vez de Kevin Trapp brilhar: num tempo extra com vários remates perigosos de parte a parte, as oportunidades mais flagrantes até foram do Rangers, com o internacional alemão a responder com classe na baliza. Aos 118’, Kent rematou à queima-roupa, com Trapp a colocar a perna para uma defesa milagrosa – e milagrosa porque nem sequer foi por instinto. Já com o relógio a bater nos 120’, Trapp segurou ainda um livre direto de Tavernier.
Nas grandes penalidades, os heróis seriam os heróis do jogo corrido: Trapp defendeu o remate de Aaron Ramsey, colocado de propósito no final do prolongamento para os penáltis, e Santos Borré teve a responsabilidade de marcar o pontapé decisivo. Não falhou.
E ao não falhar não só dá um título ao Eintracht Frankfurt, uma equipa que tão boa conta de si tem dado na Liga Europa, como coloca os alemães na Liga dos Campeões do próximo ano, apesar de terem terminado a Bundesliga apenas no 11.º lugar. A aposta estava aqui e foi ganha. Os adeptos que nestes meses viajaram pela Europa, que encheram o Camp Nou para escândalo do Barcelona, não só pela eliminação mas por se verem tão pequenos em número no seu monumental estádio, que foram a Londres eliminar o West Ham, esses adeptos no próximo ano terão futebol de Champions na cidade onde correm os milhões do Banco Central Europeu.
Antes disso jogam a Supertaça e talvez até reencontrem o Real Madrid, a equipa que os bateu na final da Taça dos Campeões Europeus de 1959/60 – em Glasgow, curiosamente. Essa foi a última vez que a formação alemã, que fez de Gonçalo Paciência mais um português com uma taça europeia no currículo, chegou à principal prova de clubes do continente.