
Os casos de violação sexual pelas forças russas na Ucrânia que já estão sob investigação são “apenas a ponta do icebergue”, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Além de mulheres, há também rapazes e homens entre as vítimas.
A representante especial da ONU sobre violência sexual em conflito, Pramila Patten, deslocou-se esta terça-feira a Kiev devido aos fortes indícios de violência sexual generalizada. “Todos os sinais de alerta estão a piscar a vermelho na Ucrânia, com alegações de violência sexual brutal a emergir”, alertou em conferência de imprensa.
“Não pude ficar no meu gabinete em Nova Iorque, face a relatos de violência sexual tão assustadores. Estou aqui porque não devemos poupar esforços para garantir tolerância zero e consequências consistentes para estes crimes”, explicou a responsável da ONU.
Patten apelou a que os sobreviventes denunciem e que a comunidade internacional encontre e responsabilize os agressores. “A documentação de hoje será a acusação de amanhã”, destacou.
Os relatos de violência sexual por tropas russas recolhidos pela procuradoria-geral da Ucrânia abrangem vítimas de todas as idades: desde crianças a idosos, tanto homens como mulheres. A responsável da ONU confirmou que recebeu “relatórios, ainda não verificados, sobre casos de violência sexual contra homens e rapazes” no país.
No caso dos homens, a especialista explica que denunciar pode ser ainda mais difícil do que para as mulheres. “É difícil para as mulheres e raparigas denunciar [violação] devido ao estigma, entre outras razões, mas muitas vezes é ainda mais difícil para homens e rapazes. Temos de criar esse espaço seguro para todas as vítimas denunciarem casos de violência sexual”, salientou Patten.
A representante da ONU sublinhou a dificuldade em obter informações sobre o número exato de vítimas. “Não podemos esperar ter uma contabilidade rigorosa num campo de batalha ativo”, explicou, acrescentando que não espera por dados para agir, daí o acordo de cooperação assinado entre a organização e a Ucrânia para apoiar os sobreviventes de violência sexual.
Entre 1 e 14 de abril, uma linha de apoio psicológico criada em parceria com a UNICEF recebeu mais de 400 alegações de casos de violência sexual, segundo a comissária dos direitos humanos da Ucrânia, Lyudmila Denisova.
Já foram documentados oficialmente 25 casos de mulheres entre os 14 e os 24 anos que foram mantidas numa cave e sistematicamente violadas em Bucha, das quais nove engravidaram. Depois da retirada das tropas russas da cidade, no início de abril, a União Europeia recebeu uma lista com 150 nomes, entre mulheres e crianças, vítimas de violência sexual.
A Missão de Vigilância de Direitos Humanos das Nações Unidas na Ucrânia (HRMMU), criada em 2014, já recebeu 75 acusações provenientes de todo o país, mas a maioria são da região de Kiev. O organismo está a analisar cada alegação, mas diz que este é um “desafio” porque “os sobreviventes podem não estar dispostos ou não poder ser entrevistados”.
Arma de guerra
A procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, acusou a Rússia de utilizar a violação como tática de guerra. “Tenho a certeza de que era de facto uma estratégia”, disse numa visita a Irpin na terça-feira. “Isto é, claro, para assustar a sociedade civil, para fazer tudo para [forçar a Ucrânia a] capitular”, acrescentou.
A responsável explicou que não têm sido muitos os relatos públicos sobre violência sexual durante a guerra, tanto porque há vítimas que deixaram o país como muitas receiam falar sobre o que viveram.
No entanto, as equipas de investigação têm recolhido provas e há testemunhos de violações em grupo e à frente de crianças. Há também relatos “extremamente perturbadores” e provas “sólidas” de mulheres que foram violadas antes de serem mortas, de acordo com a representante da ONU.
Pramila Patten alertou para o facto de a violência sexual ser uma arma “gratuita” e “muito eficaz”, uma vez que “não afeta apenas a vítima, afeta famílias inteiras, as comunidades”. “É uma guerra biológica. É uma guerra psicológica”, sintetizou.