
Em virtude do chumbo na Assembleia da República da proposta de Orçamento do Estado para 2022, a Comissão Europeia não emitiu esta quarta-feira opinião sobre o “rascunho” enviado pelo ministro das Finanças português, João Leão, em meados de outubro.
Mas, em carta enviada a 15 de novembro, assinada pelo vice-presidente Valdis Dombrovskis e pelo comissário para a Economia, Paolo Gentiloni, Bruxelas pede esclarecimentos sobre os impactos práticos da rejeição do orçamento na condução da política orçamental e na concretização das metas da ‘bazuca’ (o Plano de Recuperação e Resiliência) aprovadas por Bruxelas e dos apoios para mitigar o desemprego ao abrigo do programa SURE, onde Portugal tem revelado falta de capacidade para “absorver” o máximo do empréstimo previsto.
Gentiloni desdramatiza impactos do chumbo do OE
A carta pedindo esclarecimentos, e que solicita o envio de um novo ‘rascunho’ de Orçamento para 2022 logo que possível, e com antecedência à sua aprovação no futuro Parlamento que sair das eleições antecipadas em janeiro, “quer evitar ou minimizar qualquer potencial atraso nos desembolsos”, nomeadamente da ‘bazuca’, que se preveem para início do próximo ano, afirmou ao Expresso um responsável do executivo comunitário.
O comissário Gentiloni acrescentou, durante a conferência de imprensa desta quarta-feira, em resposta a uma pergunta do Expresso e da SIC, que a Comissão tem “uma ideia clara do que um governo de gestão pode fazer”, nomeadamente no plano orçamental (no regime de duodécimos), e desdramatizou, referindo que “não temos problemas com o que está em curso”. Mas, naturalmente, esperam por um governo com plenos poderes após as eleições.
Portugal fora do clube das economias com desequilíbrios excessivos
Bruxelas não deixa, contudo, de fazer uma apreciação sobre a situação macroeconómica portuguesa no âmbito dos relatórios do “Mecanismo de alerta” sobre desequilíbrios macroeconómicos, onde não altera a apreciação já feita no verão.
Portugal continua no “clube” dos 12 membros da União Europeia com “vulnerabilidades múltiplas e interligadas”, mas está fora do grupo de três da zona euro considerados com desequilíbrios excessivos (Chipre, Grécia e Itália). Vai continuar sob vigilância com uma revisão aprofundada das trajetórias das variáveis macroeconómicas, que se agravaram durante a resposta a pandemia, avaliando se se agravam ou recuam.
O documento da Comissão sublinha, além do mais, um ponto positivo, referindo que Portugal, juntamente, com Espanha, Chipre e Irlanda “retêm a capacidade de servirem a dívida”, o que significa que o risco de incumprimento da dívida, e de uma crise deste tipo como em 2011, está fora do sistema de alerta de Bruxelas.
Os desequilíbrios portugueses conhecidos relacionam-se com o nível de dívida pública e privada, que disparou com a resposta à pandemia e que continuará durante alguns anos acima do nível pré-pandemia, mas Bruxelas admite que a trajetória se inverta, e retome a tendência decrescente. Bruxelas alerta ainda para “riscos associados” entre a dívida pública e a banca que “podem ser amplificados pelas vulnerabilidades no sector empresarial”. Deixa, ainda, o aviso de que o crescimento real dos preços do imobiliário continuam acima do limiar indicado, uma tendência que se verifica desde há cinco anos. Bruxelas considera a situação do sector como “sobrevalorizada”.
Em relação ao nosso principal cliente, Espanha, Bruxelas inclui o nosso vizinho no mesmo ‘clube’ que Portugal, referindo as trajetórias na dívida pública e privada e o nível de desemprego muito elevado (15,5% em 2020).
Incertezas e riscos continuam a pairar sobre a zona euro
Globalmente, Bruxelas, considera que a recuperação económica da zona euro continua “sólida e rápida”, admitindo que o nível pré-pandemia ainda seja atingido neste último trimestre do ano, mas sublinha que permanecem “incertezas e riscos elevados”, associados em larga medida à evolução da própria pandemia na Europa e no mundo.
Apesar de considerar que a estratégia orçamental ainda deverá continuar em 2022, de um modo “moderado” (com um “apoio” orçamental global na zona euro equivalente a 1% do PIB), Bruxelas alerta que, a partir de 2023, termina a suspensão da aplicação das regras de ouro de controlo orçamental e da dívida, e que, por isso, os governos deverão preparar “uma redução da dívida gradual, contínua e amiga do crescimento, que deverá ser um objetivo em larga parte da zona euro”, prosseguindo “uma política orçamental prudente de médio prazo e assegurar a sustentabilidade da dívida”.
Na conferência de imprensa, os dois membros da Comissão sublinharam três palavras-chave sobre a política orçamental a partir de 2023: credível, prudente e realista. O vice-presidente da Comissão referiu que a política orçamental tem de ser “credível, mas não pode prejudicar a recuperação” e que tem de ser particularmente “prudente” nas economias com mais alto nível de endividamento (como é o caso de Portugal). Esse aspeto foi retomado pelo comissário para a Economia, que referiu que a questão-chave, para ele, é que “a redução da dívida não pode estar em contradição com o crescimento, pois sem crescimento não pode reduzir-se a dívida”. Admitiu que é “um equilíbrio difícil e um desafio”.
O realismo necessário, acrescentou Gentiloni, tem de inspirar o regresso, em 2023, às regras de ouro do controlo orçamental e do endividamento. O italiano disse mesmo que “não vamos voltar ao normal”, à lógica anterior, e que a Comissão espera conseguir um consenso para regressarem regras comuns “realistas”.
Bruxelas recomenda ainda limitar a “competição fiscal” na União, acentuar “agressivamente” o combate à evasão fiscal e baixar a carga fiscal sobre o trabalho..