
As drogas e as lutas violentas de Sam Levinson, o criador de “Euphoria”
Filho de um conhecido cineasta, usou a sua vida como inspiração para a série de sucesso da HBO.
Aos 16 anos, Sam Levinson chegou a uma espécie de beco sem saída. “Por volta dessa idade, resignei-me à ideia de que as drogas me podiam matar e que não havia nenhuma razão para tentar contrariar isso. Iria deixar-me consumir e aceitei o que poderia acontecer”, explicou. “Aos 19, estava em reabilitação. Entrei num centro e tentei livrar-me dos opiáceos e virei-me para uma droga mais produtiva como as metanfetaminas.” Tudo para que pudesse escrever os seus argumentos.
Levinson, criador solitário de uma das séries do momento, é mentor, realizador e argumentista de “Euphoria” — inspirada numa série israelita com o mesmo nome —, o hit da HBO que arrancou para a sua segunda temporada a 9 de janeiro. É também — e inevitavelmente — um espelho da própria vida do cineasta de 37 anos.
É a sua “história profundamente pessoal” que está vertida nas páginas de “Euphoria”, o drama adolescente recheado de imagens chocantes — de tal forma que organizações americanas alertaram para a excessiva nudez, sexo e glamourização das drogas. Estreou em 2019 com Zendaya no papel de Rue, a protagonista adolescente mergulhada em problemas mentais e de vício das drogas. A performance haveria de a levar à conquista do Emmy.
Ao seu lado está Hunter Schafer, Jules na série, uma jovem atriz trans que ficou encarregue do papel da parceira de Rue, mas também de ajudar Levinson a navegar nos seus ângulos mortos. Queria retratar com fidelidade as vivências destes jovens fora da norma.
“Tinha escrito o guião e os nossos diretores de casting andavam por todo o país a tentar encontrar a pessoa certa para fazer de Jules”, recorda Levinson. “Assim que encontrámos a Hunter, sentámo-nos a falar durante cerca de seis horas. Sobre a vida, sobre as nossas experiências, há muito da minha história pessoal não só na Rue, mas também na Jules.”
“Euphoria” é o destaque sublinhado no currículo de Levinson, mas antes de existir, o seu nome já carregava um peso considerável em Hollywod. Sam é filho de Barry Levinson, famoso cineasta que venceu o Óscar para Melhor Realizador por “Rain Man”. Foi também ele que esteve por detrás de filmes como “Bugsy”, “Wag the Dog” ou “Good Morning, Vietnam”.
Levinson, o filho, também tentou uma carreira como jovem ator, curiosamente em três filmes dirigidos pelo pai, mas começou a aperfeiçoar o talento para a escrita ao escrever e realizar apenas com 25 anos, o seu primeiro filme, “Another Happy Day”, com Ellen Barkin, Ezra Miller e Demi Moore. O estilo pessoal não podia ser mais distinto do do pai.
O caminho até ao sucesso não foi fácil. “Passei a maioria dos meus anos da adolescência a entrar e a sair de hospitais, de centros de reabilitação”, recordou na estreia de “Euphoria”. “Era um agarrado. Tomava tudo o que encontrasse até deixar de ouvir, respirar ou sentir.”
Nessa fase, recorda-se de uma citação de um livro que o ajudou a mudar de vida. “No fim, não somos mais do que uma amálgama das nossas ações — e, no fim, serão elas que nos definem”, recorda. “Tocou-me no sentido em que fiquei a pensar: se eu morresse hoje, quem é que eu seria?”
Foi o peso da vida e do pai que lhe passou pela cabeça durante essa fase. “Sou um mentiroso. Sou um ladrão. Sou um agarrado. Fui uma merda para quase todas as pessoas que amo na minha vida. E cheguei a um momento em que pensei: ‘Não quero sentir-me assim, acho que sou melhor pessoa do que isso’.”
O sucesso de “Euphoria” foi travado pela pandemia, mas Levinson tinha um truque na manga. Agarrou na sua musa Zendaya, juntou-a John David Washington, criou um projeto arriscado e gravou o num par de dias. “Malcolm & Marie”, um filme a preto e branco e apenas com dois protagonistas, deu nas vistas por bons e maus motivos.
O filme conta a história de um jovem cineasta, que regressa a casa depois da estreia do seu mais recente filme. Entre discussões conjugais, as primeiras críticas começam a chegar e fazem explodir o protagonista. No mundo real, as críticas também chegavam e apontavam o dedo a Levinson.
Levinson foi acusado de usar o argumento do filme — e um ator negro — como forma de atacar indiretamente os seus próprios críticos. Limitou-se a encolher os ombros.
Agora, está de volta com a segunda temporada da série que o fez escapar à sombra do pai. E embora esteja a ser alvo de críticas de muitos dos fãs de “Euphoria”, desta vez os críticos parecem ter esquecido a pequena vingança de “Malcolm & Marie”. As notas são prometedoras e garante-se que virá aí uma terceira temporada.