
Passam hoje 3 meses do início da invasão da Ucrânia por tropas russas. Um balanço para aferir a situação atual faz por isso todo o sentido.
Penso que se justifica realçar que começam a ficar claros os efeitos, sobretudo na Europa e em África, da guerra na Ucrânia em matéria de carestia de produtos e de inflação.
Na Europa a vida vai ficar mais difícil para as populações, em especial para as mais desfavorecidas, com redução do poder de compra, e com pressão sobre os sistemas de apoio social para evitar situações de fome.
No norte de África e nos países mais pobres e populosos da África negra, a situação será trágica (cerca de 47 milhões de pessoas ficarão em situação de “fome extrema”), com falta de acesso a cereais em que baseiam a alimentação, prevêem-se muitas mortes devido à fome generalizada, distúrbios sociais, aumento da emigração económica.
E, infelizmente, acho que a guerra na Ucrânia vai continuar, os bombardeamentos vão intensificar-se em todo o território, o bloqueio à exportação de cereais pelo Mar Negro vai manter-se e não ficaria admirado que a Rússia decidisse no Outono cortar o fornecimento de gás natural à Europa, em vez de esperar que seja a União Europeia a deixar de comprar à medida que vá tendo alternativas.
A CATÁSTROFE ALIMENTAR (CARESTIA E INFLAÇÃO)
A capa de edição semanal do Economist, não podia ser mais clara e impressionante e o longo artigo sobre o tema – com o rigor e qualidade que é habitual – é de leitura obrigatária.
Em resumo:
a) 4/5 da população mundial, ou seja, mais de 6,3 mil milhões de pessoas, vivem em países que são importadores líquidos de alimentos;
b) Em 2021, a Rússia e a Ucrânia, exportaram 28% do mercado mundial de trigo;
c) Os preços de referência no mercado mundial de trigo subiram 39% desde o início da invasão da Ucrânia;
d) 50 países dependem de trigo ucraniano ou russo para 30% das suas importações e 26 deles dependem em mais de 50%;
e) As exportações russas e ucranianas de girassol permitem a produção de 11,5% do mercado mundial de óleo de origem vegetal;
f) A Rússia é o principal exportador mundial de gás natural e o segundo de petróleo, cujos preços no mercado internacional subiram nos últimos 4 meses, respetivamente 79% e 16%.
g) O preço de fertilizantes aumentou 30% em 2022 depois de ter aumentado 80% em 202;
h) A Rússia produz 40% do potássio mundial e é o maior exportador mundial de fertilizantes, sendo a Ucrânia também um dos maiores.
O prolongamento da guerra – que hoje é a previsão de todos os analistas especializados – vai ter efeitos devastadores na produção agrícola ucraniana de culturas de verão e para 2023.
A situação vai por isso tornar-se calamitosa, e mesmo na Europa será terrível. Vejam por exemplo os preços de combustíveis numa estação de serviço na Alemanha, há dias, para se poder imaginar o que vai chegar aqui:

O apoio à Ucrânia e as sanções à Rússia foram uma vitória da opinião pública, que impôs aos governos e às empresas ações que sem isso não seriam assim. Será que nada se vai alterar nesse apoio nos próximos meses? E se baixar o apoio, que se vai passar?
A OPINIÃO PÚBLICA E A CONTINUAÇÃO DA GUERRA
É neste contexto que se deve entender a afirmação do Primeiro-Ministro polaco (o primeiro líder europeu a usar da palavra no parlamento ucraniano), segundo o qual a França e a Alemanha estarão a pressionar para que se retomem negociações de paz e para que a Ucrânia aceite perder algum território como preço inevitável para um acordo.
Também isso explica que até comentadores internacionais que são completamente favoráveis à causa ucraniana, estejam a revelar que a ofensiva russa está a crescer, pois há uma regra velha de que antes de começar a negociar se deve aumentar a pressão.
Mas, pelas mesmas razões, o governo ucraniano resiste e continua a afirmar que não admitirá ceder parte alguma do seu território. Zelensky foi claríssimo: “queremos tudo de volta e a Federação Russa não quer devolver nada”.
A Ucrânia é nisso apoiada não apenas pela vizinha Polónia e por outros países próximos, mas também pelos EUA, neste caso porque manifestamente a sua estratégia é quebrar a Rússia, sendo certo que pode aguentar melhor do que a Europa a continuação da guerra.
Eu tinha abordado este tema logo em 5 de março, para concluir que a paz era muito improvável e que a Rússia vai querer criar ao menos um Estado-tampão a leste.
Infelizmente, não vejo motivos para mudar de opinião. Pelo contrário, creio que a Rússia – agora que a sua ambição estratégica se reduziu e teme cada vez mais os efeitos das sanções de que é alvo – vai alargar a destruição ao oeste ucraniano, tentando atingir as vias de comunicações ferroviárias e mesmo as principais rodovias para evitar que possa chegar o maciço apoio militar que Biden assinou há dias, e que permitirá à Ucrânia prolongar a sua heroica resistência.
Perante isto, em minha opinião há que respeitar a vontade do povo invadido, apoiando-o, e não premiar o invasor. Mas como reagirá a opinião pública mundial?
Temo o pior, se for um sinal a afirmação de Henry Kissinger, com a experiência dos seus 99 anos: “Espero que os ucranianos mostrem ter o mesmo nível de sensatez que têm de heroísmo”. E a sua tese de que a paz tem de ser conseguida nos próximos 2 meses, não permite antecipar boas notícias…
UCRÂNIA: A LUTA CONTRA O TEMPO
No fundo, do que se trata de ambos os lados é de uma luta contra o tempo.
Do lado dos países da NATO, espera-se que a Ucrânia aguente até que os efeitos das sanções e da desmoralização dos militares russos no terreno, enfraqueçam Putin e o levem a negociar em piores condições.
Do lado da Rússia, tenta-se que a ofensiva aumente, que seja feito o corte dos fornecimentos de gás natural a países europeus hostis, que a crise alimentar, a carestia e a inflação, mudem o ambiente da opinião pública nos países democrático-liberais e com isso a pressão sobre a Ucrânia seja crescente para que tudo acabe com um tratado que aceite que a Crimeia, o Donbass e as margens do Mar de Azov sejam retirados da Ucrânia.
No fundo, o resultado e as condições para uma negociação dependem da (inequívoca) força anímica ucraniana, do (indiscutível) apoio militar do Ocidente, e da (infelizmente volátil) opinião pública europeia e norte-americana.
O meu pessimismo não consegue reduzir-se. As ditaduras acabam sempre por soçobrar, mas mesmo nos estertores da agonia ainda conseguem durar o suficiente para aumentar tragédias.
MÉDICOS DE FAMÍLIA: HÁ MAIS DO QUE SE AFIRMA
Há 2 semanas abordei aqui o tema da falta de médicos de família nos centros de saúde. Entre vários exemplos de médicos que me escreveram a apoiar o que disse, quero referir um exemplo altamente simbólico do disparate que é fazer passar burocraticamente pelos centros de saúde os atos médicos, em vez de confiar nos clínicos que seguem com regularidade os seus doentes.
O exemplo é o seguinte: os lares têm médicos que dão assistência regular aos idosos. Como é evidente, também até por dificuldades de locomoção e custos, esses idosos não usam os médicos de família do seu centro de saúde.
No entanto, para terem acesso a meios complementares de diagnóstico (análises, raio X, fisioterapia, etc) são obrigados a ir ao médico de família que os não conhece, pois os seus médicos assistentes não podem passar mais do que receitas para medicamentos, e por isso tudo se atrasa, complica e custa mais caro.
Na prática, se houvesse uma estratégia cooperativa entre Estado, setor social e privados seria possível alocar mais médicos de família a quem não tenha outra alternativa e potenciar as alternativas existentes.
O ELOGIO
É, na pessoa do advogado Ricardo Sá Fernandes, a todos os advogados portugueses que defendem arguidos e/ou condenados em processos crime.
No “Público” da passada 6ª feira, escreveu o texto “Manuel Pinho, uma prisão ilegal”, que merece ser lido.
No tempo do processo Casa Pia (e Ricardo Sá Fernandes, como outros, estava também lá) era preciso ter muita coragem para aceitar ser advogado de alguém indiciado pelo crime da pedofilia.
Agora algo semelhante se passa com quem seja indiciado ou acusado de crime financeiro.
A opinião pública, mais ou menos subliminarmente, achava que um defensor de um eventual pedófilo era defensor da pedofilia, como agora defender um banqueiro ou alguém indiciado ou acusado de crime financeiro é sinal de indiferença ou até apoio aos crimes chamados de “colarinho branco”.
Sem a coragem desses advogados seria ainda mais difícil (do que já é) a magistrados judiciais terem coragem para fazer justiça, mesmo com o preço de desagradar a alguns meios de comunicação social e a cidadãos inflamados.
E se os juízes perderem essa coragem é o Estado de Direito e a Liberdade que se acabará por destruir.
LER É O MELHOR REMÉDIO
Estou a ler a obra excecional de Francis Fukuyama (já há edição portuguesa da D. Quixote), “O Liberalismo e os seus Descontentes”, que se centra – como explicou bem João Carlos Espada, há dois dias no Observador – na conclusão de que “a disposição liberal está sob ataque cerrado de conceções tribais vindas da direita e da esquerda iliberais” que recusam afinal o pluralismo e a diversidade.
Leiam o livro, o texto de Espada e já agora o artigo de João Miguel Tavares, hoje no Público, em relação ao movimento para tentar impedir que seja eleito para o Tribunal Constitucional um professor que há quase 40 anos tomou posição contra a despenalização do aborto. Essa “batalha” está a criar um problema que não existe na sociedade portuguesa e é objetivamente um exemplo que poderia estar no livro de Fukuyama.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
Apesar da primeira minuta do estudo feito pelo atual Ministro da Economia para a estratégia da bazuca não usar a palavra uma única vez, é um facto objetivo que o Turismo mais uma vez está a salvar este ano a economia nacional e as contas públicas (a “salvar o crescimento económico”, como refere o Expresso).
Perante os protestos pelas horas que os turistas passam nos aeroportos para lhes verem os passaportes, o Governo resolveu avançar com uma medida de emergência, que é mobilizar agentes da PSP e quadros da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (CIF/SEF) para minorar os atrasos que são a pior forma de dar as boas vindas a quem vem criar emprego, gastar dinheiro e pagar impostos em Portugal.
No entanto, o Sindicato dos Inspetores e Investigação (SIIF) do SEF e alguns sindicatos da PSP parecem opor-se a esta urgente medida de bom senso.
A pergunta é para eles: será que não percebem que são os turistas que em grande medida lhes permitem ter emprego e a remuneração? E será que não percebem que não é complicando a vida a pacíficos turistas que se assegura a segurança nacional e a luta contra o terrorismo?
A LOUCURA MANSA
Diziam os antigos que “Deus enlouquece os que quer destruir”.
Vejam mais um exemplo disso: Ocorreu uma votação ideológica de proposta do Livre, apoiada pelos outros derrotados nas autárquicas há menos de 1 ano, para fechar completamente a Avenida da Liberdade a veículos automóveis em domingos e feriados, com o argumento – não se riam – da luta contra as mudanças climática e a invasão da Ucrânia.
Com este tipo de medidas impensadas, não discutidas com quem dá emprego nessa avenida, populistas e demagógicas, a esquerda lisboeta vai acabar por ser o cabo eleitoral da futura maioria absoluta de Carlos Moedas, até porque este exemplo não foi um caso único.