
O advogado Magalhães e Silva acusou esta quarta-feira o presidente da República e o primeiro-ministro de terem tentado apaziguar a população atingida pelos incêndios de Pedrógão Grande, a 17 de junho de 2022, ao dizer que os responsáveis seriam condenados. A leitura do acórdão ficou marcada para as 10 horas do dia 13 de setembro, no Tribunal de Leiria.
“Face à tragédia, [Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa] tiveram a espantosa irresponsabilidade, para responder à angústia em que se vivia, de virem com esse brejeirismo de que a culpa não morre solteira. Mas que coisa tão ordinária”, afirmou o advogado de defesa de Valdemar Alves, à data presidente da Câmara de Pedrógão Grande. “Ensaiou-se um casamento que não se consumou e que, se se tivesse consumado, acabava em divórcio.”
Aos jornalistas, Magalhães e Silva classificou este caso como “inequivocamente político” e disse que se falhou ao não agir de uma forma pedagógica com a comunidade, para que se “habitue a conviver com casos de força maior”. E recorreu ao Marquês de Pombal, quando, na sequência do terramoto de 1755, disse: “enterrem-se os mortos e trate-se dos feridos”.
“Castelo de Paiva é um caso exemplar, em que o dr. Jorge Coelho [então ministro] se oferece em sacrifício à comunidade, dizendo: não sou pessoalmente responsável, mas sou funcionalmente responsável e, portanto, demito-me”, recordou Magalhães e Silva, à saída do tribunal. “É essa a função tradicional do bode expiatório. Aqui, não houve a felicidade de contar com uma situação desse género.”
Convicto de que os 63 mortos e os 44 feridos resultaram de um “fenómeno inelutável, que ninguém teria conseguido evitar”, o advogado pediu a absolvição de Valdemar Alves e dos outros dez arguidos, por considerar que não ficou provada a sua responsabilidade criminal. “Apelo ao tribunal que a condenação dos arguidos não se venha a juntar a esta enorme tragédia.”
Novo elemento
Catarina Gil, advogada do arguido José Graça, ex-vereador da Câmara de Pedrógão Grande, invocou uma questão que ainda não tinha sido referida. “Seria necessário que nos autos estivessem documentados de uma forma clara, os locais exatos onde estavam previstas no Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios (já caducado), as faixas de gestão de combustível do concelho, para que depois se conseguisse perceber se estes caminhos municipais, nos concretos locais onde foram encontradas as vítimas, estariam abrangidos por tal obrigatoriedade.”
A advogada já antes tinha invocado uma auditoria do Tribunal de Contas, que concluiu que os municípios onde os PMDFCI não estavam em vigor “não poderiam fazer-se valer do que ali era determinado”. “Perguntamos, então, considerando, ainda que por mera hipótese académica, a responsabilidade pela criação, manutenção e fiscalização da rede secundária das faixas de gestão de combustíveis era do arguido José Graça, como e quais as faixas que deveriam ter sido limpas? As que constam no PMDFCI caducado?”
Além das críticas dirigidas ao Ministério Público (MP), Catarina Gil apontou o dedo a Valdemar Alves por ter declarado, de uma “forma leviana”, que as faixas de gestão de combustível estavam sob a coordenação de José Graça, quando essa incumbência tinha sido atribuída a uma empresa, através de um protocolo assinado pelo presidente da autarquia, que acusou de querer “sacudir a água do seu capote”.
“Ficou desde logo sobejamente provado, e foi também esta a posição que o MP revelou nas suas alegações, que não houve qualquer delegação de competências”, acrescentou a advogada. “Posteriormente, já em sede de defesa, [Valdemar Alves] veio emendar a mão. Concluiu que, afinal, nenhum dos caminhos em causa nos autos estava sobre a coordenação do arguido José Graça.”
Face ao “evento catastrófico, produzido pela natureza, sem precedentes tanto em Portugal como no resto da Europa”, Catarina Gil contestou o MP por ter pedido a condenação dos arguidos MP, o que considerou “um completo absurdo, fazendo tábua rasa da realidade que se viveu em Pedrógão Grande, no fatídico dia 17 de junho de 2017, bem como os dias que se seguiram”.